domingo, 10 de outubro de 2010

Stories about Songs - S&S01

"Quando tá escuro,
E ninguém te ouve.
Quando chega a noite,
E você pode chorar."


Lanterna dos Afogados
(Paralamas do Sucesso)


* * *


A noite acabara de cair. Lá fora o vento característico da ponta do continente fazia a rede balançar de lado a outro. Da janela central da casa que tremia levemente, dava-se para se avistar lá na frente, sobre a rocha metros acima do nível do mar, o velho e imponente Farol. Ninguém podia negar que era uma das visões mais incríveis que se podia ter. Qualquer um morreria satisfeito, se aquela fosse a última cena que passasse frente a seus olhos.
De dentro, uma pálida e linda mulher, sentada frente a uma mesa, escrevia e contemplava a bela visão. Sentiria falta dali, quando olhasse ao redor e não encontrasse a magnitude daquela belíssima obra de arte criada pelos homens pegando carona na soberana criatividade do Senhor do Universo que produzira a matéria prima para aquela fantástica pintura.
O relógio marcava dez horas, quando ela de súbito despertou para a realidade dos fatos. Levantou-se, colocou a caneta e a folha de papel que escrevera em cima da antiga arca que ficava abaixo da janela, usando um porta retratos que continha a foto de um casal muito feliz, como peso para que a folha não voasse. Demorou seu olhar no sorriso satisfeito da moça. Sorriso tal que há tempos ela não conseguia encontrar, quando o procurava no espelho. Virou-se. Tinha que se arrumar. Não podia se atrasar para o encontro que teria.
Foi ao quarto, separou o vestido que ganhara de seu marido no ultimo Natal, que ambos tanto gostavam, e entrou no banho. Ao sair se vestiu, secou seus lindos cabelos escuros. Se perfumou. Saiu.
Sentindo o vento no rosto, inspirou. Expirou. Como era bom estar ali, pertencer aquele paraíso. Ela acreditava que poderia passar a vida inteira sem precisar ultrapassar os limites de sua varanda. Depois de inspirar novamente, desceu as escadas. Não precisaria de suas sandálias. Seguiria descalça o caminho de areia rente ao mar, que já subia e ameaçava tomar a parte branca que restava da praia, para fazer parte de suas águas negras, que há horas atrás não passavam de azuis.
Ela cruzou a demarcação de onde se dividiam areia e rocha e seguiu seu caminho por meio das pedras.
Sem muita dificuldade, pois já eram mais de onze e meia, estava escuro e o caminho já não era mais tão limpo e conservado quanto antigamente, alcançou o seu objetivo. Chegar ao antigo Forte. Encontrou a porta destrancada, como esperava que estivesse. "Será que ele já chegou?" Pensava ela. "Mas queria surpreende-lo com minha pontualidade!"
Lá de cima, a visão era totalmente diferente. Toda a magnitude do lugar era multiplicada por cada milímetro que a sensação de liberdade poderia proporcionar a um simples mortal. Estar ali, era quase como se pudesse voar. A frente, o mar e o horizonte, bem abaixo da iluminada deusa que refletia
sua majestade nas águas. O céu, negro e estrelado parecia convidativo a todos que almejavam descobrir o que os esperavam além do véu dos mundos. Virando-se para a direita, mais oceano e montanhas. À esquerda, a Praia que desistira de medir forças e se rendera ao mar, e mais rochas. Pouco mais adiante, nas pedras a confortável casa fazia-se notória, como uma criança enciumada quando perde seu brinquedo mais idolatrado.
Sem dúvidas seria A vida que ficaria para sempre na memória, por onde quer que ela fosse e seja lá com quem estivesse.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo cheiro característico da presença de quem ela esperava.
"Meu querido! Estou a sua espera!" Disse Erin, abrindo seu opaco embora não menos fascinante sorriso.
"Meu amor. Vim me despedir." Responde Kevin, em um tom de quem já finalizara o assunto, saindo das sombras e deixando que a Grande Lua iluminasse sua triste face.
"Mas você não pode me deixar! Somos um só..."
"Não torne isso mais difícil do que já é, minha vida." Retruca ele. Parecendo não ter forças e nem argumentos para continuar resistindo.
"Como você pode?" ela lhe lança um olhar de uma criança que acabara de apanhar sem nada ter feito. "Como? Você sabe que não posso continuar aqui, se você não estiver."
"Claro que pode." Uma pequena lágrima desceu pelo seu rosto. Mas ele poderia mesmo estar chorando?
"Não posso." Seu olhar se estreitando. "É a minha escolha, e nada, e nem você, vai mudar o que eu decidi."
"Erin" ele suplicou.
"Espere aqui. Eu estou chegando, Kevin."
Ela se virou. Seguiu até a pequena grade. Parou por um instante. Estaria ela hesitando? Não.
Ela subiu. Olhou novamente para ele. Uma última vez. Pelo menos naquela vida. Deu um último e gélido sorriso sentindo o vento novamente, e como Ismália, se projetou à frente cortando o ar.
Até não mais senti-lo.


***

Em uma folha: "13 de Agosto de 2010.

A noite finalmente chegou. Não tenho muito tempo e aproveito o que tenho, enquanto minha cabeça ainda consegue organizar as idéias, e colocá-las nesse papel.
Disseram que eu estava louca, e me indicaram um médico. Mas tenho certeza de minha sanidade. Só pelo fato de conseguir responder à simples pergunta: „Estou Louca?‟ sei que não estou. Um louco nunca teria a capacidade de se perguntar e responder a isso.
Se tem uma coisa que posso dizer que é real, são as experiências que tive. Eu realmente vejo, e posso não somente conversar, mas abraçar... Tocar o Kevin. Todas as noites. No farol.
Ele vem me ver todos os dias, desde que desapareceu no mar e disseram que ele estava morto. Ele pode estar morto para eles. Não para mim. Juramos um dia, naquele mesmo Farol, que nunca, NUNCA abandonaríamos um ao outro. Que não seríamos como esses casais estúpidos que são separados pela morte. Sabíamos que éramos melhores que os outros. Que o nosso amor era tão superior a qualquer outro que nem a Morte poderia nos separar.
E é isso. Eu sempre estive certa.
Nós sempre estivemos certos.
E hoje tomei uma decisão. E é mesmo a melhor coisa a se fazer. Não para vocês que são fracos e se fecham ao invés de ir atrás de suas convicções. Podem me julgar, Sociedade hipócrita, que condenam pessoas pelos próprios erros que cometem. Não me importo. Não estarei aqui para me importar.
E é isso que tinha a dizer, ou seja, deixar para vocês.
Estarei esperando por vocês do outro lado. Junto com Kevin.
Ps.: Se vale de consolo, podem ter certeza que estarei melhor que vocês.



Erin."

2 comentários:

  1. Puxa Erico, tu escreves muito bem. Eu sempre quis escrever um lirvo, mas não tenho ideia para estórias... Gosto mais de escrever textinhos aleatórios e poesia :)

    Ganhaste uma visitante :)Bota um gadget pros seguidores aí, assim é mais fácil para eu (e os outros) lembrar :)

    Ps: vi muita coisa implícita que me pareceu familiar... mãs, fica sossegado. Gostei mesmo do blog :)

    ResponderExcluir
  2. ** Opa, já vi a caixinha de seguidores :)

    ResponderExcluir